Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2018, que a terceirização seria válida para qualquer atividade empresarial — seja meio ou fim —, parecia que o Brasil finalmente havia encontrado uma bússola para guiar as relações entre empresas e trabalhadores. Esse entendimento, consolidado no Tema 725 de Repercussão Geral, prometia modernizar a organização do trabalho, incentivando a eficiência e o empreendedorismo. Mas, como sempre acontece no universo jurídico, nem tudo é preto no branco.
O TST entra em cena
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), guardião dos direitos trabalhistas, olhou para o Tema 725 e disse: “Calma lá, não é tão simples assim.” Enquanto o STF via na decisão uma forma de flexibilizar a economia, o TST passou a analisar cada caso concreto para verificar se essa flexibilidade não estava sendo usada como um escudo para práticas fraudulentas.
Foi exatamente o que aconteceu no caso da MRV Engenharia. A gigante da construção civil foi acusada de contratar empresas terceirizadas que não tinham capacidade econômica para arcar com suas obrigações trabalhistas. Resultado? O TST entendeu que havia fraude: ao terceirizar funções para empresas de fachada, a MRV buscava reduzir custos e precarizar as condições de trabalho. Nesse julgamento, a MRV foi condenada ao pagamento de uma indenização por dano moral coletivo.
E o STF?
Para o STF, o princípio é claro: terceirizar é legal, mesmo que envolva a atividade principal da empresa. Mas o diabo está nos detalhes, e os detalhes incluem fraude. O Tema 725 não foi criado para legitimar práticas que mascaram relações de emprego ou burlam a legislação trabalhista.
E é aí que surge o choque de visões: enquanto o STF adota uma abordagem mais ampla e teórica, focando na liberdade empresarial, o TST assume um papel de fiscal minucioso, examinando a conduta das empresas e impondo limites sempre que identifica abusos.
Quem perde com isso?
Primeiro, os trabalhadores, que muitas vezes ficam no limbo jurídico entre uma decisão mais permissiva e outra mais protetiva. Imagine ser um empregado que presta serviços em um canteiro de obras, usa o uniforme da contratante, segue as ordens do gerente da empresa, mas descobre que, no papel, pertence a outra firma que mal tem sede própria. É confuso e, muitas vezes, desvantajoso.
Depois, as empresas. Aquelas que agem de forma correta enfrentam concorrentes que abusam do sistema, criando um ambiente de competição desigual. Além disso, a insegurança jurídica criada pelas divergências entre os tribunais torna mais difícil planejar estratégias de terceirização que sejam eficientes e juridicamente seguras.
O equilíbrio (im)possível
O caso da MRV não é isolado. Muitas empresas têm enfrentado decisões semelhantes no TST, que reconhece o vínculo empregatício quando detecta subordinação direta, pessoalidade e habitualidade — características típicas de uma relação de emprego.
O STF, por outro lado, tem sido mais categórico em permitir a terceirização. Mas essa flexibilidade só é válida quando não há fraude. Afinal, o próprio Supremo não compactua com práticas que violam direitos trabalhistas. A grande questão é: como estabelecer critérios objetivos para identificar quando a terceirização ultrapassa o limite da legalidade?
O que podemos aprender?
A colisão entre o STF e o TST é um lembrete de que o direito é, por definição, dinâmico. O que funciona na teoria nem sempre sobrevive à prática. A terceirização, idealizada como um motor de eficiência e modernização, pode facilmente se transformar em uma ferramenta de exploração se não for bem regulada.
Enquanto isso, empresas e trabalhadores caminham sobre uma corda bamba, tentando equilibrar a flexibilidade permitida pelo STF com a fiscalização rigorosa do TST. E o futuro? Ainda está em construção, assim como os milhares de canteiros de obras pelo país. Resta saber se, um dia, os tribunais conseguirão construir uma jurisprudência realmente harmoniosa — e justa.
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