STF paralisa processos de pejotização com contratos verbais
- Raphael Luque
- 7 de jun.
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A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de estender a suspensão nacional de todos os processos judiciais que discutem a “pejotização”, mesmo quando há apenas contratos verbais entre as partes, representa um novo e significativo marco na intersecção entre Direito do Trabalho, Direito Constitucional e a organização econômica contemporânea. A pejotização, fenômeno no qual empresas contratam trabalhadores por meio de pessoas jurídicas — muitas vezes constituídas exclusivamente para essa finalidade — tem sido usada de maneira controversa para burlar garantias trabalhistas e reduzir encargos legais.
O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603, tema que originou a suspensão, foi reconhecido como de repercussão geral (Tema 1.389), o que significa que a decisão que vier a ser tomada pelo Plenário do STF servirá de parâmetro obrigatório para todos os demais processos sobre o mesmo assunto. O mais relevante é que, com essa suspensão, o Supremo sinaliza que a forma do contrato — seja ele formal, escrito ou verbal — não deve impedir o exame de seu conteúdo substancial: a existência ou não de vínculo empregatício de fato, conforme os critérios objetivos estabelecidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), especialmente os artigos 2º e 3º.
Essa abordagem vai ao encontro da teoria do primado da realidade, consagrada na jurisprudência da Justiça do Trabalho, pela qual a forma é sempre superada pelo conteúdo da relação. Assim, ainda que o trabalhador figure como prestador de serviços por meio de uma empresa, se ele prestar serviços de forma contínua, pessoal, subordinada e mediante salário, estará caracterizado o vínculo empregatício, independentemente do tipo de contrato firmado ou da ausência dele.
A extensão da suspensão para casos de contratos verbais impede que tribunais inferiores tomem decisões conflitantes entre si, evitando a pulverização jurisprudencial que comprometeria a estabilidade do sistema de precedentes qualificados, previsto no art. 927 do Código de Processo Civil. Ao centralizar o debate no STF, a Corte Suprema demonstra preocupação não apenas com a coerência do Direito, mas também com a grave repercussão social do tema, sobretudo em um país marcado pela informalidade e pela desigualdade estrutural nas relações de trabalho.
Os impactos dessa decisão são múltiplos. No plano econômico, muitos empregadores — sobretudo nos setores de tecnologia, comunicação e consultoria — vêm adotando o modelo de contratação via pessoa jurídica como estratégia de redução de custos.
Contudo, essa prática também gera uma brutal precarização dos direitos sociais, ao afastar o trabalhador das proteções típicas do regime celetista: férias, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego, entre outros. Mais ainda, há forte impacto arrecadatório, como apontou estudo da Fundação Getúlio Vargas, indicando perdas bilionárias à Previdência Social com a proliferação da pejotização desde a reforma trabalhista de 2017.
Do ponto de vista técnico-argumentativo, a decisão do STF recoloca no centro do debate o verdadeiro alcance do art. 7º, I da Constituição Federal, que garante aos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa. Não é razoável admitir que a contratação sob o manto de uma personalidade jurídica fictícia possa servir de subterfúgio para o esvaziamento desse direito fundamental. A suspensão dos processos com contratos verbais reafirma que o Direito do Trabalho deve ser interpretado conforme seus princípios protetivos, ainda que a reforma de 2017 tenha relativizado vários deles.
Essa decisão também joga luz sobre o papel fiscalizador do Ministério Público do Trabalho, que encontra nesse entendimento uma base mais sólida para intervir e combater práticas abusivas, sobretudo em setores onde a pejotização se apresenta quase como regra. Em última instância, o STF contribui com a tarefa constitucional de erradicar formas de exploração do trabalho humano, como previsto no art. 1º, III e IV da Constituição, ao rechaçar a forma e privilegiar a realidade.
No plano jurídico-processual, a suspensão tem o efeito de interromper os andamentos de ações nas Varas do Trabalho e Tribunais Regionais, o que pode gerar, em curto prazo, certa frustração para trabalhadores que aguardam o reconhecimento de seus direitos. No entanto, a medida também serve como importante válvula de contenção para decisões contraditórias que comprometeriam o próprio sistema recursal, especialmente diante da litigiosidade crescente sobre o tema. Trata-se, portanto, de um freio prudencial, que visa garantir a unidade de tratamento jurídico e a segurança normativa.
Importante também observar que a decisão poderá interferir nas relações contratuais futuras. Muitas empresas, temendo a reversão futura de contratações com aparência de licitude, deverão revisar seus modelos de contratação, adotando políticas mais claras, transparentes e menos vulneráveis a fraudes jurídicas. O setor jurídico empresarial, por sua vez, precisa reavaliar os riscos trabalhistas e previdenciários desses modelos, uma vez que a jurisprudência sinaliza para um endurecimento do crivo legal.
Em suma, a decisão do STF é mais do que uma medida cautelar: é um movimento estratégico para a revalorização da dignidade do trabalhador, para a recomposição do equilíbrio entre capital e trabalho e para a reafirmação de que a Constituição não tolera artifícios jurídicos que esvaziem seu núcleo essencial. O julgamento definitivo do Tema 1.389 poderá definir os contornos do futuro das relações laborais no Brasil — e, até lá, a pausa imposta aos processos é, em verdade, uma oportunidade para o país refletir sobre os limites éticos e legais da contratação por pessoa jurídica.
