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Foto do escritorRaphael Luque

O Uso de Bitcoin pela Rússia para Contornar Sanções: Estratégia ou Ato de Desespero?

A Rússia, sob sanções econômicas severas devido à sua postura geopolítica e ações militares, encontra-se em uma encruzilhada histórica. Enfrentando restrições que isolam sua economia do sistema financeiro global, o Kremlin tem recorrido ao Bitcoin e outras criptomoedas como um canal alternativo para realizar transações internacionais e mitigar os efeitos das sanções. Essa abordagem, embora criativa, levanta questões fundamentais sobre eficiência econômica, controle monetário e a viabilidade de longo prazo de uma economia parcialmente "Bitcoinizada".


O uso de Bitcoin para contornar sanções não é uma novidade. Países como o Irã já adotaram estratégias semelhantes, utilizando recursos como petróleo para mineração de criptomoedas. A lógica por trás dessa prática é simples: ao gerar Bitcoin através de recursos energéticos internos, um país pode criar uma forma de valor que não depende de sistemas financeiros controlados pelo Ocidente. Posteriormente, o Bitcoin pode ser convertido em moedas fiduciárias ou usado diretamente em transações internacionais. Contudo, a eficiência dessa abordagem é limitada. Comparada à venda direta de petróleo, o processo de mineração e posterior comercialização da criptomoeda adiciona camadas de custos e riscos, reduzindo sua atratividade econômica.


Na Rússia, a adoção do Bitcoin se intensificou em meio ao bloqueio das principais rotas financeiras tradicionais. Bancos chineses, por exemplo, hesitam em aceitar pagamentos em rublos devido ao risco de sanções secundárias americanas. Como alternativa, empresas russas começaram a realizar transações em Bitcoin, criando uma forma de pagamento mais difícil de rastrear. Apesar disso, a aceitação do Bitcoin em mercados internacionais é limitada, já que muitos países ainda preferem transacionar em dólares devido à estabilidade e aceitação universal da moeda americana.


Um dos principais dilemas enfrentados pela Rússia é o impacto interno dessa estratégia. Ao permitir que partes significativas da economia passem a operar em Bitcoin, o Kremlin está, na prática, enfraquecendo o rublo. A "Bitcoinização" da economia reduz a capacidade do governo de controlar a política monetária, uma ferramenta essencial para mitigar crises econômicas e controlar a inflação. À medida que mais empresas e indivíduos migram para o Bitcoin, o rublo perde relevância, criando um ciclo de desvalorização e instabilidade.


Esse efeito foi observado no Irã, onde o uso extensivo de Bitcoin para contornar sanções gerou um fenômeno de substituição monetária. A moeda local foi amplamente abandonada em favor da criptomoeda, levando o governo iraniano a proibir a mineração e restringir o uso de Bitcoin para evitar a perda de controle sobre sua economia. Essa experiência serve como um alerta para a Rússia, que enfrenta desafios econômicos semelhantes.


A dependência do Bitcoin também não resolve completamente os problemas criados pelas sanções. Embora facilite o pagamento de bens e serviços, não elimina as restrições ao acesso a itens essenciais sancionados, como chips e tecnologia avançada. Além disso, o mercado de criptomoedas, apesar de global, ainda é pequeno e volátil, tornando-o inadequado para suportar transações em larga escala para uma economia do tamanho da Rússia.


A ideia de uma hiper-Bitcoinização global, onde as economias gradualmente substituem moedas fiduciárias pelo Bitcoin, é um conceito explorado por alguns analistas como uma solução teórica para países em situações de sanções. Contudo, essa transição exige um nível de aceitação política e social que dificilmente seria alcançado em economias centralizadas como a russa. Governos autoritários dependem do controle monetário para financiar seus regimes e manter o poder político. A adoção plena do Bitcoin, com sua natureza descentralizada e incontrolável, contradiz essa lógica, tornando-a uma solução improvável para regimes como o de Vladimir Putin.


Além disso, a adoção do Bitcoin pelos BRICS como uma moeda comum foi sugerida como uma forma de rivalizar com o dólar americano. Entretanto, a resistência de países como China, Rússia e Brasil em abrir mão do controle de suas moedas nacionais inviabiliza essa ideia. Governos autoritários e centralizados dependem da manipulação monetária para financiar políticas internas e exercer influência sobre suas populações. Assim, a ideia de uma moeda descentralizada como o Bitcoin, que não pode ser controlada ou inflada, representa um desafio direto à lógica política desses regimes.


Portanto, o uso de Bitcoin pela Rússia para contornar sanções é menos uma solução estratégica e mais um ato de desespero diante de uma economia em colapso. Enquanto as sanções restringem o acesso a mercados e recursos essenciais, a dependência de criptomoedas apenas exacerba os problemas internos do país. A perda de controle sobre a política monetária e a desvalorização do rublo são efeitos colaterais que colocam o Kremlin em uma posição cada vez mais precária. Embora o Bitcoin ofereça uma via temporária para aliviar os impactos das sanções, ele não é uma solução viável para os problemas estruturais enfrentados pela economia russa.



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