Adoção Avoenga: Amor Familiar vs. Limites Legais
Imagine uma cena: um neto que chama o avô de "pai", em uma casa cheia de amor, convivendo harmoniosamente com a mãe. Parece o enredo de um drama familiar tocante, mas, recentemente, essa história virou um debate jurídico. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) precisou decidir sobre um pedido de adoção, e o caso levantou questões profundas sobre laços afetivos, regras legais e a dinâmica de famílias modernas.
Tudo começou quando um avô materno tentou adotar seu neto, concebido por inseminação artificial, e que já vivia sob o mesmo teto com ele e a mãe. O menino reconhecia o avô como figura paterna, uma relação que poderia facilmente ser entendida como legítima, do ponto de vista emocional. Contudo, o artigo 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro: avós não podem adotar netos. A questão que chegou ao tribunal, então, era se o afeto poderia superar a letra fria da lei.
Família Monoparental: Uma Escolha Consciente
A mãe da criança optou pela maternidade independente, uma escolha facilitada pelos avanços da inseminação artificial. No Brasil, a Constituição Federal reconhece as famílias monoparentais — aquelas compostas por um dos pais e seus descendentes — como legítimas, protegendo-as contra discriminação ou preconceito. Essa decisão, ao que parece, foi consciente e planejada.
Porém, quando o avô quis adotar formalmente o neto, o STJ precisou examinar a situação com cuidado. A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou que, apesar do vínculo afetivo evidente, a simples convivência e o reconhecimento do avô como pai não são suficientes para afastar a proibição prevista no ECA.
Exceções Existem, Mas São Raras
O STJ já flexibilizou a regra da adoção avoenga em casos extremos, onde o melhor interesse da criança estava em jogo. Em 2020, por exemplo, o julgamento do REsp 1.587.477/SC trouxe critérios rigorosos para tais exceções: desde a comprovação de que os avós assumiram as funções parentais desde o nascimento, até a ausência de conflitos familiares e a certeza de que a adoção traria reais vantagens ao adotando.
No caso mais recente, porém, esses critérios não estavam presentes. A mãe biológica era plenamente capaz de exercer a maternidade, e não havia elementos que justificassem a adoção pelo avô. Para o tribunal, permitir isso poderia abrir precedentes perigosos, desrespeitando a estrutura familiar escolhida pela mãe.
Afeto e Lei: Um Debate Necessário
Essa decisão reacende um debate antigo: até onde o direito deve interferir nas relações familiares? Afinal, o que pesa mais: os laços afetivos ou as normas legais? No caso específico, o tribunal optou por proteger a escolha consciente da mãe pela maternidade independente e evitar uma possível confusão emocional na criança.
Por outro lado, críticos apontam que o direito deveria ser mais flexível em situações que envolvem laços socioafetivos claros. O avô, afinal, não era um estranho tentando adotar; ele já exercia um papel importante na vida da criança.
E Agora?
Casos como este mostram que o direito precisa, cada vez mais, dialogar com as complexidades das novas dinâmicas familiares. A decisão do STJ reflete a necessidade de equilibrar o afeto e a proteção legal, mas também expõe a rigidez das normas em algumas situações.
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