O processo nº 5001125-02.2023.8.24.0087, oriundo da comarca de Lauro Müller, Santa Catarina, traz à tona uma situação que tem se tornado cada vez mais comum no mundo digital: um consumidor, atraído por promessas de empréstimos rápidos e vantajosos, acaba sendo vítima de golpistas que se passam por correspondentes bancários. O caso, que chegou ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), revela os desafios de lidar com fraudes online e a dificuldade de atribuir responsabilidade quando há negligência do próprio consumidor.
Tudo começou quando o autor da ação foi abordado por supostos representantes de um banco, que alegavam oferecer condições diferenciadas para empréstimos. Seguindo as orientações dos golpistas, ele instalou um aplicativo em seu celular, forneceu dados pessoais e bancários e, sem muita cautela, firmou digitalmente um contrato de empréstimo. Após receber o valor do empréstimo em sua conta, ele seguiu as instruções dos criminosos e transferiu todo o montante para contas indicadas por eles, acreditando que estava quitando taxas ou antecipando parcelas.
Quando percebeu que havia caído em um golpe, o consumidor recorreu à Justiça, buscando responsabilizar o banco pelo ocorrido. A alegação principal era de que a instituição financeira teria permitido que empresas fraudulentas agissem como suas correspondentes e tivessem acesso a dados sensíveis de clientes, o que teria facilitado o golpe. No entanto, o que parecia um caso claro de descuido por parte do banco se revelou mais complexo durante a análise do TJSC.
A decisão final, proferida pela Primeira Câmara de Direito Civil do TJSC, destacou que os golpistas não possuíam qualquer vínculo com a instituição financeira e que o banco não tinha meios de evitar o golpe, já que todas as ações ocorreram fora de sua esfera de controle. O contrato de empréstimo firmado pelo consumidor era legítimo, regular e seguiu as normas aplicáveis. A transferência do dinheiro aos criminosos, por sua vez, foi um ato exclusivo do autor, que não tomou as precauções básicas ao confiar em orientações vindas de estranhos.
Para o Tribunal, o caso não configurou falha no serviço do banco nem descumprimento de obrigações previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Apesar de o banco ter responsabilidade objetiva nas relações de consumo, é necessário comprovar que houve uma falha direta ou um nexo causal entre a conduta da instituição e o prejuízo sofrido. No caso analisado, o golpe foi resultado de uma sequência de ações imprudentes do próprio consumidor, que assinou o contrato digital sem leitura prévia, instalou um aplicativo de origem duvidosa e transferiu o valor recebido sem questionar a legitimidade das orientações.
A decisão também ressaltou que a proteção conferida pelo CDC ao consumidor não é ilimitada. Embora a legislação imponha ao fornecedor o dever de zelar pela segurança e transparência, ela não isenta o consumidor de agir com um mínimo de cautela. Neste caso, ficou evidente que a negligência do autor foi determinante para a consumação do golpe.
O TJSC manteve a improcedência da ação em relação ao banco e condenou o autor ao pagamento de honorários advocatícios recursais, conforme prevê o Código de Processo Civil. A decisão serve como um alerta tanto para consumidores quanto para instituições financeiras, reforçando a importância de uma postura vigilante no ambiente digital.
Para o público leigo, a mensagem é clara: em tempos de transações virtuais e facilidades digitais, a cautela nunca foi tão necessária. Não se deve confiar cegamente em mensagens ou propostas recebidas por canais desconhecidos, e é imprescindível verificar a legitimidade de qualquer contrato ou solicitação antes de fornecer dados ou efetuar pagamentos. Afinal, como demonstra este caso, nem sempre é possível transferir a responsabilidade para o banco ou outra instituição quando o golpe resulta de ações imprudentes do próprio consumidor.
Se a decisão do TJSC soa surpreendente para alguns, ela reflete um equilíbrio importante: a proteção ao consumidor não deve ser uma via de mão única que exime o indivíduo de seu dever de atenção. Em última análise, o Tribunal deixou claro que a responsabilidade nas relações digitais é compartilhada e que, no mundo virtual, a prevenção ainda é a melhor defesa contra golpes e fraudes.