O Benefício de Prestação Continuada (BPC), um dos programas sociais mais importantes do Brasil, tem sido objeto de intensos debates no Congresso Nacional, especialmente no que diz respeito às recentes mudanças propostas para sua concessão e manutenção. Este benefício, que assegura o pagamento de um salário mínimo mensal a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade, é um pilar na proteção social, atendendo a mais de 5,7 milhões de pessoas em 2023. No entanto, a tentativa de ajustar suas regras gerou polêmica e trouxe à tona questões sensíveis sobre justiça social, sustentabilidade financeira e inclusão.
O cerne das mudanças gira em torno de novas exigências para os beneficiários. Entre as alterações propostas, destaca-se a obrigatoriedade do cadastro biométrico para a concessão e manutenção do benefício. Esta medida visa aumentar o controle e a transparência no acesso ao programa, além de reduzir fraudes. Paralelamente, a atualização cadastral dos beneficiários no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) passará a ser obrigatória a cada 24 meses, com prazo de notificação de 90 dias para regularização, sob pena de suspensão do benefício.
Em municípios de pequeno porte, o prazo de regularização permanece em 45 dias(!).
Outra mudança relevante foi a tentativa de condicionar a concessão do BPC a pessoas com deficiência moderada ou grave, excluindo aquelas com deficiências leves. Este ponto gerou forte reação no Senado, especialmente de parlamentares como a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), que argumentou que tal restrição seria uma afronta aos direitos das pessoas com deficiência e uma medida discriminatória. A exclusão de indivíduos com deficiências leves foi vista como uma forma de negar oportunidades e de aprofundar desigualdades em um país onde as barreiras para inclusão já são substanciais.
A senadora Gabrilli ilustrou sua crítica com a história de Edgar Episcopo Teixeira, um funcionário com síndrome de Down que trabalha em seu gabinete há 16 anos. Segundo ela, Edgar teve a chance de deixar o BPC e se tornar contribuinte porque encontrou uma oportunidade, algo raro para pessoas com deficiência intelectual no Brasil. A narrativa evidenciou o potencial transformador do benefício, não apenas como um suporte financeiro, mas também como um meio de inclusão e emancipação social.
Diante da pressão, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), apesar da aprovação com a exclusão dos portadores de deficiências leves, comprometeu-se a vetar o dispositivo que restringiria o BPC apenas a pessoas com deficiências moderadas ou graves. A ver. Esta situação gerou reações duras da sociedade de políticos que se manifestaram abertamente contra as novas regras aprovadas.
No entanto, as mudanças no BPC não se limitam às questões de elegibilidade. O cálculo da renda familiar mensal per capita para acesso ao benefício permanece fixado em 1/4 do salário mínimo, o que em 2025 representará R$ 375,50. A novidade quanto a este tópico é a vedação expressa de deduções de renda não prevista em Lei para aferição da renda médica per capita familiar.
Ou seja, a medida visa reformar o entendimento jurisprudencial disseminado de que benefícios de valor mínimo recebidos pela família, assim como elementos de renda informal sejam incluídos no cálculo geral da renda familiar, reduzindo a extensão do direito, bem como fica subentendido que há desejo do texto legal em tolher a liberdade técnica do assistente social declarar a situação de necessidade de benefício para aliviar o risco social existente. A ver como o Judiciário reagirá.
Esse critério tem sido alvo de críticas por parte de especialistas que defendem sua ampliação, argumentando que o limite atual é insuficiente para abarcar todas as famílias em situação de vulnerabilidade. Além disso, o crescimento acelerado do número de beneficiários do BPC, especialmente entre pessoas com deficiência, levantou preocupações sobre a sustentabilidade financeira do programa. Dados do IBGE indicam que, enquanto a taxa de natalidade no Brasil caiu de 2,32 para 1,57 filhos por mulher entre 2000 e 2023, o número de beneficiários do BPC aumentou em uma taxa de 15% ao ano.
Nesse contexto, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) argumentou que ajustes são necessários para garantir que o benefício continue atendendo quem realmente precisa. Ele destacou que o aumento no número de concessões não acompanha o crescimento populacional, sugerindo possíveis distorções na aplicação do programa. Apesar disso, a tentativa de reduzir gastos com o BPC foi vista por muitos como uma medida precipitada e inadequada, especialmente em um momento de desigualdades sociais acentuadas.
O senador Sergio Moro (União-PR) criticou a tramitação em regime de urgência das mudanças no BPC, classificando-a como precipitada e alertando para o risco de que cortes no programa afetem justamente as pessoas mais vulneráveis da sociedade. Para ele, é inaceitável que ajustes fiscais sejam realizados à custa dos mais pobres, transformando o controle de gastos em uma ferramenta de exclusão social.
O debate sobre as alterações no BPC expõe a complexidade de equilibrar a sustentabilidade financeira de programas sociais com a proteção dos direitos das populações mais vulneráveis. O cadastro biométrico e a atualização cadastral bienal são medidas que podem melhorar a eficiência e a transparência na gestão do programa. Contudo, qualquer tentativa de restringir o acesso com base em critérios de gravidade da deficiência deve ser cuidadosamente avaliada, sob pena de perpetuar desigualdades e violar princípios fundamentais de inclusão e dignidade.
Ao fim, o episódio demonstra que mudanças em programas sociais de grande alcance devem ser amplamente discutidas com a sociedade e as partes interessadas. O BPC é mais do que um auxílio financeiro; ele representa uma rede de proteção para milhões de brasileiros que enfrentam diariamente desafios impostos pela pobreza, pela deficiência e pela exclusão. A preservação de sua essência inclusiva e justa deve ser prioridade em qualquer reforma legislativa.